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Sobre Todas as Bandas de Rock que Eu Não Conhecia Antes de Conhecer Você: uma história sobre música, apostas idiotas e amor

Livro Sobre Todas as Bandas de Rock que Eu Não Conhecia Antes de Conhecer Você / Foto: Brenda Dieb

Certa vez me disseram que só se aprende a viver, vivendo. E, para muitos, isso é uma verdade definitiva. Se não conseguimos tocar uma determinada coisa, por mais que a gente estique a mão bem alto, essa coisa não pode emocionar ou te fazer sentir. Mas para nós, leitores, o impalpável é, muitas vezes, o que mais nos transforma. Mergulhar em uma história é viver muitas vidas em uma. É sentir emoções, refletir e aprender, ainda que seja com um mundo fictício.

Me senti assim quando li Sobre Todas as Bandas de Rock que Eu Não Conhecia Antes de Conhecer Você, da autora D. Mayumi. Ainda que o título possa parecer grande demais para suas 398 páginas, o livro, publicado em 2023 pela Editora Euphoria, nos leva a um cenário encantador, conflituoso, íntimo e comovente de autodescoberta e conexão.


Com um sabor de narrativa nostálgico, Mayumi nos transporta à São Paulo do início dos anos 2000, onde conhecemos Naoki e Daniel, dois jovens universitários de mundos completamente diferentes, que acabam tendo suas histórias entrelaçadas através da música. Daniel é o clássico bad boy: mullet, jaqueta de couro e rock ‘n roll. Ele domina o campus com sua originalidade e atitude convencida. Já Naoki, um doce violinista, é reprimido pelas expectativas e regras da sua vida, ele não se permite conhecer muito do que existe além de sua própria bolha. No entanto, ao se encontrar com Daniel em uma lanchonete, sua vida vira de cabeça para baixo.


À primeira vista, a trama parece o maior dos clichês: o estudioso introvertido que se apaixona pelo cara popular e problemático do campus. Cara esse que, secretamente, também é das artes, sensível e bem mais profundo do que aparenta ser. Tudo de mais clássico que vemos nas produções audiovisuais lançadas entre os anos 90 e 2000. Algumas situações da narrativa lembram até o clássico adolescente “10 Coisas que Eu Odeio em Você”, filme que, aliás, é mencionado no livro.

E ser um clichê não é de todo mal, na verdade, é uma fórmula assertiva para conquistar os fãs de carteirinha das comédias românticas e para construir uma narrativa cativante. A autora faz isso muito bem, não só por meio das situações vivenciadas pelos personagens, como também pelo cuidado ao utilizar suas referências musicais. Naoki, com seu amor por Britney Spears, e Daniel, com sua paixão por rock ‘n’ roll, criam um contraste interessante, e as referências à cultura pop permeiam a história de forma divertida.

Contudo, Sobre Todas as Bandas de Rock que Eu Não Conhecia Antes de Conhecer Você vai além do previsível. Embora tenha uma estrutura que lembra romances adolescentes, a profundidade com que a autora aborda as questões dos personagens é surpreendente. Naoki e Daniel enfrentam problemas palpáveis, reais e cotidianos, adversidades que refletem o desconforto e a complexidade da vida adulta, o que pode não agradar a quem busca apenas uma leitura leve e descompromissada ou uma reviravolta muito brusca. Em alguns aspectos, me lembra a brutal honestidade de Pessoas Normais, onde a comunicação – ou a falta dela – é o ponto central.

Assim como a música se projeta e reflete no que os protagonistas são em essência, Naoki com música clássica e Daniel com Rock ‘n Roll, as nuances criadas quando esses gêneros se misturam, também são retratadas no livro de maneira crua, onde esses jovens têm atitudes consideradas estúpidas, onde são imaturos, confusos e inseguros; onde eles erram e aprendem com esses erros, mas acabam errando de novo, porque são humanos. Em alguns momentos, essa retratação pode, sim, frustrar, mas também conquistar, pelo menos, me conquistou. Até porque, há algo de muito belo em ser humano.


Apesar dos ruídos de comunicação e falhas inerentes ao ser social, Naoki e Daniel desenvolvem um relacionamento doce e inspirador. Eles despertam no leitor a vontade de ter “a sorte de um amor tranquilo”. É fácil se derreter ao vê-los compartilhando cenas íntimas e simples, como quando eles visitaram a loja de vinis do pai de Daniel, quando eles se juntaram para tocar pianos juntos, quando dançaram de meia no tapete da sala, ou até mesmo quando foram andar de pedalinho no Parque Ecológico do Tietê — se você leu o livro, espero que tenha dado risada com essa breve e contraditória menção. Consequentemente, essas demonstrações sutis fazem o leitor querer valorizar mais os detalhes do cotidiano, mostrando que o amor se encontra e sobrevive das pequenas coisas, não apenas de gestos grandiosos de afeto.

Além disso, é importante destacar que uma das leituras possíveis de se fazer a partir de Sobre Todas as Bandas de Rock é a respeito da auto compreensão auto cuidado. O que vemos quando olhamos para nós mesmos e como podemos aprender a nos enxergar com mais carinho. A narrativa evidencia a importância de se comunicar com quem amamos, destacando a necessidade de, às vezes, dizer o óbvio para que ele deixe de ser óbvio e seja absorvido como essencial dentro da gente.


Existem tantas coisas que eu poderia dizer a esses personagens. Poderia de falar sobre Fleetwood Mac e The Doors, ou sobre Led Zeppelin, Guns ‘n Roses e AC/DC.

Gostaria de poder falar sobre Somebody To Love, I Want to Break Free e toda a discografia do Queen. Mas também gostaria de andar de pedalinho com os personagens, dizer a eles sobre querer desesperadamente aprender a tocar violino e também sobre como eu gostaria de um Walkman onde eu pudesse ouvir minhas faixas de música favoritas, gravadas numa fita cassete.

Sobre Todas as Bandas de Rock que Eu Não Conhecia Antes de Conhecer Você pode ser o clichê dos clichês, sim! Mas vai muito além. D. Mayumi nos entrega uma história muito bem desenvolvida que explora a relação dos protagonistas como um casal, mas que também explora a relação deles com os familiares, com os amigos e com eles mesmos, com o que eles sonham e desejam. Tudo isso envolto em música e arte.

É um livro que nos lembra a importância de ter relações saudáveis, mas que reforça que para amar alguém, primeiro precisamos aprender a ter uma relação saudável com nós mesmos. Acima de tudo, mostra que num mundo caótico demais, são as pequenas e sutis coisas que fazem toda a diferença.

Foto: Brenda Dieb/Portal Vigente

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