A saúde sexual feminina é marcada por tabus que dificultam o acesso a informações para conscientização das mulheres sobre o próprio corpo. No entanto, quando se trata de mulheres lésbicas ou bissexuais, há uma maior dificuldade para acessar serviços de saúde inclusivos, devido ao preconceito e à falta de preparo dos profissionais para atender esse grupo.
Preconceito e invisibilidade no atendimento
De acordo com o Dossiê Saúde das Mulheres Lésbicas – Promoção da Equidade e da Integralidade, aspectos como: a descredibilidade do desejo sexual entre mulheres, invisibilidade da sexualidade feminina e o preconceito com a homossexualidade, são responsáveis por tornar o universo da saúde sexual de mulheres lésbicas e bissexuais pouco visibilizados.
Ao Portal Vigente, a estudante de Enfermagem, Letícia Medeiros, que se identifica como uma mulher lésbica cisgênero, afirmou que é perceptível o despreparo dos profissionais de saúde, principalmente de ginecologistas, para atender mulheres que têm relações sexuais homoafetivas.
“A ida ao ginecologista é sempre um desafio, porque sempre pensam que as pacientes são mulheres héteros e muitos ginecologistas não sabem como lidar com essa situação. Muitas mulheres, inclusive lésbicas, deixam de ir ao ginecologista por conta do preconceito”, afirma a estudante.
Em entrevista ao Portal Vigente, o enfermeiro Valterney Morais, doutorando em saúde coletiva para pessoas LGBTQIAPN+ pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), aponta que o atendimento à saúde de mulheres lésbicas e bissexuais ainda apresenta falhas devido à formação acadêmica dos profissionais, que não considera a diversidade sexual.
“O modelo de formação acadêmica precisa ser repensado. Não podemos continuar com a formação de enfermeiros e médicos que não abordam a assistência à saúde de maneira integral e abrangente. Isso vale não apenas para as mulheres lésbicas, mas para toda a comunidade LGBTQIAPN+. Precisamos compreender as diferenças para poder acolher e oferecer o cuidado que essas pessoas realmente necessitam”, afirma o enfermeiro.
Riscos à saúde sexual
Segundo a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, durante muitos anos, um mito comum na área da saúde afirmava que a prática sexual entre mulheres não representava risco para o contágio de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). Isso porque, tradicionalmente, pensava-se que o sexo entre mulheres não envolvia penetração e, portanto, não teria os mesmos riscos associados às relações heterossexuais. No entanto, a realidade é bem diferente.
Embora o risco de transmissão de ISTs entre mulheres lésbicas e bissexuais seja considerado menor em comparação às relações heterossexuais, ele não é inexistente. De acordo com um estudo publicado em 2020, pela Revista Ciência & Saúde Coletiva, que analisou a vulnerabilidade de mulheres que fazem sexo com mulheres, revelou que, no Brasil, 47,3% das mulheres lésbicas e bissexuais, em um total de 150, foram diagnosticadas com ISTs. As infecções mais prevalentes foram: HPV (45,3%), seguido de Clamídia (2%), Tricomoníase e Sífilis (1,3%), e, por fim, HIV e Gonorréia (0,7%).
Valterney Morais explica que o sexo entre mulheres envolve diversas formas de contato físico e de troca de fluidos, o que pode, sim, levar à transmissão de ISTs.
“Quando falamos em risco, estamos falando de qualquer forma de contato sexual, seja entre pênis e vagina, pênis e ânus, ou mesmo entre vagina e vagina. O contato com secreções, mucosas e até mesmo o uso de objetos eróticos compartilhados pode ser um fator de transmissão”, afirma e ressalta que a transmissão de doenças como o HPV, HIV, sífilis e herpes pode ocorrer por contato com mucosas ou fluidos corporais, salientando a importância da realização de exames para rastreio do câncer de colo do útero.
“O HPV, que é o fator determinante para uma mulher, seja cis, hétero ou lésbica, ter câncer de colo de útero. Ele está na pele mucosa e não no sangue. Então, numa relação sexual entre mulheres é vulva com vulva, ou seja, pele com pele. As mulheres que são lésbicas ou bissexuais e numa relação sexual foram penetradas com o dedo, com prótese, ou na adolescência tiveram relação com um homem e foram penetradas, devem fazer o rastreio de câncer de colo de útero entre 25 a 64 anos, assim como as mulheres heterossexuais”, alerta.
O que é HPV?
O HPV, ou papilomavírus humano, é uma infecção sexualmente transmissível que afeta homens e mulheres e é transmitido através do contato íntimo desprotegido — seja vaginal, oral ou anal — com a pessoa infectada. Na maioria dos casos, o HPV é assintomático, mas pode causar verrugas genitais com aspecto de couve-flor. Dependendo do subtipo do vírus, também aumenta o risco de câncer em áreas como o colo do útero, boca, garganta, intestino e reto.
Métodos de prevenção
Letícia Medeiros relata que pouco se discute sobre métodos de prevenção para esse grupo de mulheres, inclusive no consultório médico, onde frequentemente se presume que a paciente tenha relações apenas com homens. Muitas mulheres que buscam se prevenir acabam recorrendo à internet para se informar, em vez de obter essas orientações em consultas médicas.
“Eu soube da existência desses métodos de prevenção através de pesquisas feitas na internet. Você navegando sempre acha uma coisa ou outra, mas em consultas médicas nunca me foi apresentado. Mas pela internet, sim”, esclarece.
Valterney Morais explica que os métodos de prevenção e o modo como são usados devem se adequar à maneira como cada pessoa faz sexo, podendo alguns terem resultados melhores do que outros em determinados contextos. Para mulheres lésbicas e bissexuais, o enfermeiro indica alguns métodos e cuidados que podem ser adotados para reduzir esse risco.
Uso de barras de látex (Dental Dams): uma das formas mais eficazes de proteção para o sexo oral entre mulheres é o uso de barreiras de látex, também conhecidas como “dental dams”. Estas barreiras, que são colocadas sobre a vulva ou ânus durante o sexo oral, ajudam a evitar o contato direto com fluidos corporais e reduzem o risco de transmissão de ISTs.
Uso de camisinha interna: embora o uso de camisinhas externas seja amplamente reconhecido na prevenção de ISTs em relações heterossexuais, Valterney destaca a importância da camisinha interna (anteriormente chamada de “camisinha feminina”). “Para mulheres lésbicas, a camisinha interna pode ser útil, especialmente quando há penetração com dedos ou próteses. Ela pode proteger contra a transmissão de ISTs, como o HIV e o HPV”, explica o enfermeiro. A camisinha externa pode ser adquirida em postos de saúde locais.
Higienização de objetos eróticos: quando há o uso de brinquedos sexuais, é essencial garantir que eles sejam limpos adequadamente antes de serem usados por outra pessoa. O compartilhamento de acessórios sexuais sem higienização adequada pode ser uma via de transmissão de ISTs. “Se você usar um brinquedo sexual, por exemplo, e for penetrar sua parceira, é importante higienizar o utensílio antes de usá-lo novamente em você”, alerta Morais.
Evitar relações durante o período menstrual: o enfermeiro explica que o contato com o sangue menstrual aumenta o risco de transmissão de ISTs. Embora não seja uma regra rígida, evitar relações sexuais durante a menstruação pode ser uma medida adicional de precaução.
Monitoramento da saúde sexual: As consultas ginecológicas periódicas são fundamentais para todas as mulheres, independentemente da sua orientação sexual. O Papanicolau, por exemplo, deve ser realizado de 25 a 64 anos, para detectar possíveis alterações que possam levar ao câncer de colo de útero. Além disso, o rastreio de ISTs como sífilis e HIV deve ser considerado em qualquer contexto de risco.
Por Letícia Paixão