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Qual a diferença entre orientação sexual e identidade de gênero?

A sexualidade é um espectro fundamental da experiência humana, que abrange desde como uma pessoa sente atração sexual até a forma como ela interage fisicamente com os outros. No entanto, para compreender as nuances da sexualidade, é essencial diferenciar dois conceitos que, embora relacionados, têm significados diferentes: identidade de gênero e orientação sexual.

O termo “gênero” vai além das características biológicas de uma pessoa. Segundo Judith Butler, a identidade de gênero é constituída por meio de atos, gestos e comportamentos repetidos, de acordo com as normas sociais e culturais em que vive aquele indivíduo. Por exemplo, uma pessoa que nasce com o sexo biológico feminino pode ser socializada desde a infância com características e expectativas associadas ao que se convencionou chamar de “feminino”. No entanto, essa associação nem sempre reflete a identidade de cada indivíduo.

Estudos mostram que o conceito de gênero, como o entendemos hoje, começou a ser utilizado na década de 1970, com o objetivo de separar o que é biológico do que é social. A ideia central é que as distinções entre homens e mulheres, tradicionalmente baseadas no sexo, são na verdade construções culturais. Isso significa que esses papéis, frequentemente vistos como naturais ou imutáveis, são, na realidade, produtos de uma construção social.


Em entrevista com o especialista em Psicologia Sexual, Caio Graneiro, foram discutidas as principais diferenças entre identidade de gênero e orientação sexual, além das terminologias corretas que devem ser usadas. Graneiro, sexólogo com pós-graduação em Psicologia Sexual, é conhecido por compartilhar conteúdos informativos sobre sexualidade em seu perfil no Instagram, com uma abordagem leve e autêntica. Ele esclarece que a orientação sexual se refere ao desejo de um indivíduo, enquanto a identidade de gênero diz respeito à maneira como essa identidade é expressa na sociedade.

Caio Graneiro, especialista em psicologia sexual / Foto: Arquivo Pessoal

“A orientação sexual está relacionada ao desejo e para onde é direcionado. Chamamos de orientação porque é algo que vem de dentro para fora; o sujeito é naturalmente inclinado a gostar de algo. Por exemplo, um homem que tem seu desejo orientado para outro homem, tem uma orientação sexual homoerótica ou homoafetiva, identificando-se como homossexual. Por outro lado, a identidade de gênero não está ligada ao sexo biológico, mas sim à expressão da identidade na sociedade. Assim, um homem gay pode se expressar de maneira masculina ou, por exemplo, se identificar com uma expressão de gênero feminina. Gênero é uma construção social que vai além do biológico”, explica.


Graneiro esclarece um ponto comum de confusão: o uso do termo “opção sexual” em vez de “orientação sexual”. Ele argumenta que o termo “opção” é inadequado, pois sugere que a atração por alguém é uma escolha consciente, quando na verdade, a orientação sexual é algo intrínseco, uma “bússola interna” que temos desde o nascimento.

“As pessoas podem optar por vivenciar experiências sexuais, mas não escolhem por quem se sentem atraídas”, afirma. Segundo o psicólogo, a confusão surge porque “orientação” pode parecer algo externo, como se alguém orientasse a pessoa, mas na verdade, é uma inclinação natural com a qual já nascemos.


O especialista afirma que a mudança de “homossexualismo” para “homossexualidade” representou um avanço significativo. Ele destaca que o mais importante não é apenas a mudança da palavra em si, mas o que ela simboliza. Ao substituir “homossexualismo” por “homossexualidade”, abandonamos a visão da homossexualidade como algo negativo ou que precisava ser curado, reconhecendo-a como parte natural do espectro da sexualidade humana.


Graneiro destaca a importância do reconhecimento da identidade de gênero para a inclusão social de pessoas trans e travestis. Segundo ele, esse reconhecimento pode tornar ambientes como o mercado de trabalho e as universidades mais acolhedores.

“Por muito tempo, as pessoas trans, em especial as travestis, estiveram restritas à marginalização, ocupando espaços como a prostituição”, explica. Para o psicólogo, ao reconhecer a identidade de gênero como uma possibilidade legítima de existência, é possível integrar essas pessoas em ambientes de pertencimento social, tanto nas escolas quanto nas faculdades e locais de trabalho. Isso, segundo ele, tira o foco da marginalização e oferece a oportunidade de um desenvolvimento pleno na sociedade.

O especialista também enfatiza a importância de políticas públicas para fomentar a visibilidade de pessoas trans em posições de destaque, como na mídia, universidades e liderança social. Segundo ele, a ocupação desses espaços por pessoas trans abre caminho para futuras gerações, oferecendo esperança e inspiração para quem ainda está em processo de autodescoberta. 

“Para promover uma compreensão mais inclusiva, precisamos de políticas que possibilitem a presença dessas pessoas em lugares de poder. Quando vemos pessoas trans em papéis de destaque, como nas novelas, nas universidades como professoras, estamos mostrando que elas também podem ocupar um lugar social. Votar em representantes que apoiam o movimento LGBTQIAPN+ é fundamental para garantir que essas pessoas ganhem espaço e visibilidade”, afirmou Graneiro.


O psicólogo destacou a necessidade de abordar a discussão sobre gênero e sexualidade com cautela, destacando que não basta apenas discutir o tema, mas também considerar a forma como essa discussão será realizada.

“Uma mesma conversa pode ser usada para direcionar o pensamento de diferentes maneiras, podendo ter conotações religiosas ou morais. Por isso, é fundamental que essa discussão ocorra de maneira científica, humana e plural, para que todas as diversidades sejam reconhecidas e consideradas”, explicou. Graneiro acrescentou que, mais do que a importância de discutir, é crucial que esse debate seja conduzido de forma cuidadosa. “Se a discussão for feita de maneira descuidada, corremos o risco de disseminar ainda mais preconceito”, alertou.

Por: Letícia Paixão

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