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A sigla LGBTQIAPN+: uma história de representação e luta

Com a função de promover e assegurar o reconhecimento das diversas expressões de gênero e sexualidade, a sigla LGBTQIAPN+, acrônimo que contempla a diversidade de identidades de gênero e orientações sexuais (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexuais, assexuais, pansexuais e não-binarios), tem suas raízes na luta por direitos e visibilidade iniciada na década de 1960. Em entrevista, o professor e historiador Luiz Alberto da Silva Lima, graduado e mestre em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), fez uma retomada histórica do surgimento da sigla e a importância de cada letra.

Luiz Alberto em entrevista ao Portal Vigente / Foto: Marcus Matos



Para Luiz Alberto, os movimentos por direitos civis nos Estados Unidos tiveram um papel fundamental na estruturação do movimento LGBTQIAPN+. Em 28 de junho de 1969, o bar Stonewall Inn, em Nova York, foi palco de uma rebelião histórica que marcou o início da luta organizada de gays, lésbicas, travestis e drag queens contra a violência e a opressão. Conhecido como Rebelião de Stonewall, o episódio, articulado inicialmente por Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera, é visto como o ponto de partida para o surgimento de importantes movimentos, como o Gay Liberation Front (GLF) e o Gay Activists Alliance (GAA), que reivindicavam direitos básicos e visibilidade.


No Brasil, o movimento começou a se organizar durante a ditadura militar (1964-1985). Publicações como “Lampião da Esquina”, o “Snob”, o “Pasquin”, e organizações como o Grupo Gay da Bahia (GGB) surgem para divulgar a cultura e a luta pelos direitos homossexuais. À medida que o movimento cresce, há uma pressão para que a sigla represente outras identidades além dos gays. A primeira alteração ocorre a partir do levante das mulheres lésbicas e consequentemente com a inclusão do “L” e do “S”, para simpatizantes, resultando na sigla GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes) no inicio dos anos 90.

Essa evolução, segundo Luiz Alberto, representou o início de uma maior inclusão, mesmo que ainda limitada. “Vivemos em uma sociedade extremamente patriarcal e machista, o termo ‘gay’ se refletia nisso e englobava todas as dissidências sexuais, mas não representava a diversidade dentro do próprio movimento.”, afirmou o professor.


Já nos anos 2000, surge a sigla LGBT, que incluiu o “T” de transexuais e transgêneros, refletindo o reconhecimento das questões de identidade de gênero. “Também foi das mulheres lésbicas que veio a ideia de colocar o L na frente, em função do processo de invisibilização da sexualidade, já que os gays acabavam sendo hegemônicos”. Nesse período, bojo das organizações políticas, há um grande aumento das conferências de diversidade sexual, organizadas tanto pela sociedade civil, quanto pelo poder público. Conforme novos debates ganham espaço, a sigla cresce. O “Q” de queer, “I” de intersexo, e “A” de assexual são incorporados ao longo dos anos, ampliando a visibilidade de grupos ainda mais marginalizados.

Para Luiz Alberto, essa expansão é um reflexo de uma sociedade cada vez mais plural. “Por mais que as pessoas digam que é uma ‘sopa de letras’, a dificuldade em entender a sigla é, na verdade, uma dificuldade com o ‘estranho’. O desconhecido gera resistência, mas também gera um processo de conhecimento”, pontua o historiador.


Hoje, a expansão da sigla LGBTQIAPN+ traz o desafio de equilibrar a representatividade com a unidade do movimento. Segundo o historiador, o crescimento da sigla, assim como as diferentes necessidades de cada grupo e as diferenças de geração dentro da comunidade, podem gerar uma dispersão nas pautas e objetivos coletivos. São novos dilemas a serem enfrentados. “O movimento LGBTQIAPN+ também é geracional e estético. Antigamente, os debates eram em torno de ganhos políticos, como casamento civil, adoção. Durante a epidemia da Aids, era debatido o processo de combate ao vírus HIV. Mas, hoje, a luta é contra a violência e, apesar de ela unir a comunidade, há atravessamentos de classe, raça e gênero que dividem o coletivo.”

Ainda assim, o professor destaca que a resistência e a adaptação são uma característica vital do movimento. Ele cita a importância de apropriar-se termos pejorativos, como “viado” e “sapatão” no Brasil, e ressignificá-los, tornando-os símbolos de orgulho e empoderamento, um movimento similar ao que aconteceu com o termo “queer” nos Estados Unidos.

Apesar das críticas à fragmentação, Luiz Alberto vê na sigla LGBTQIAPN+ uma conquista importante que oferece representatividade a uma série de identidades que, no passado, eram invisibilizadas. “A sigla não vai agradar a todos, ela não vai conseguir responder a todos. Então, pode até ser cansativo o número de letras e tentar entender todas elas, mas é o processo pelo qual estamos passando”, conclui.

Com as constantes transformações sociais e culturais, a sigla LGBTQIAPN+ continua a evoluir e se desenvolver. Mais do que uma série de letras, representa uma luta histórica e uma busca contínua por direitos, visibilidade e respeito.


L — Lésbicas: mulheres, cisgêneros ou transgênero, que são emocionalmente, fisicamente e/ou sexualmente atraídas por mulheres cisgênero ou transgênero;

G — Gays: homens cisgêneros ou transgênero, que são emocionalmente, fisicamente e/ou sexualmente atraídas por homens cisgênero ou transgênero;

B — Bissexuais: o termo inicialmente era definido como a atração por homens e mulheres, no entanto, por tratar-se de uma lógica binária, a definição moderna é mais inclusiva e reconhece a existência de múltiplas identidades de gênero. Dessa forma, são pessoas que são emocionalmente, fisicamente e/ou sexualmente atraídas por pessoas de todos os gêneros;

T — Transgêneros: pessoas que não se identificam com seu gênero biológico e assumem uma identidade diferente da atribuída ao nascer. Nesse grupo estão ainda as travestis, que não se reconhecem no gênero masculino, mas em uma expressão de gênero feminina;

Q — Queer: identidades e expressões de gênero e sexualidade que não se encaixam nas normas da heteronormatividade (de heterossexualidade ou binarismo de gênero);

I — Intersexo: pessoas nascidas com características biológicas (genitais, hormônios, etc.) que não se enquadram nas definições típicas de sexo masculino ou feminino;

A — Assexuais (espectro): pessoas com ausência total, parcial, condicional ou circunstancial de atração sexual por alguém. É um termo para referir as pessoas que não têm o sexo sendo o referencial primário do desejo e da atração por alguém;

P — A pansexualidade surgiu para “quebrar o preconceito” contra pessoas transgênero, já que o termo bi, historicamente, foi associado à binariedade. Portanto, pessoas panssexuais são emocionalmente, fisicamente e/ou sexualmente atraídas por pessoas de todos os gêneros;

N — Não-binários: pessoas que não se identificam com nenhum gênero, ou que se identificam com vários gêneros;

+ — O “+” representa a diversidade. Outras identidades e orientações sexuais não mencionadas na sigla e gêneros fluidos. 

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